VIAGEM AO CORAÇÃO DAS TREVAS de Nuno Faria

OS RECURSOS DO MÉTODO DE PEDRO VALDEZ CARDOSO de João Pinharanda

AD GLORIAM EPHEMERAM de João Pinharanda

SIGHTSEEING de Bruno Leitão

À LA CARTE de Bruno Leitão

OBJECTOS QUEER de José António Fernandes Dias

ENTREVISTA (CROSS-CULTURAL) de Lúcia Marques

QUARTO SEM VISTA de João Miguel Fernandes Jorge


O PESO DA HISTÓRIA@MNSR de Fátima Lambert


UMA CONVERSA CRUA de Hugo Dinis


MUNDOS INQUIETANTES de Xosé M. Buxán Bran

THE ORDER OF TODAY IS
THE DISORDER OF TOMORROW de Luísa Soares de Oliveira


CRUDE de Filipa Oliveira


MEMÓRIAS DOS ACTOS de Sandra Vieira Jürgens


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MEMÓRIAS DOS ACTOS

            Desde o início do seu percurso artístico, Pedro Valdez Cardoso tem trabalhado, de vários ângulos, sobre a questão da identidade, sendo os processos de uniformização civilizacional e cultural aspectos constantes no seu trabalho. Tratou diversos temas, por vezes tirando partido do contexto e das circunstâncias em que trabalhou, sem que isso o desviasse do sentido de pesquisa que norteia a concepção do seu trabalho.

            A instalação que concebeu para as alcáçovas do castelo de Sines segue uma mesma linha de orientação no sentido em que estabelece uma relação com o lugar expositivo, tendo em atenção a especificidade do local e remetendo-nos para a definição de um conteúdo temático que privilegia a dimensão histórica e cultural do sítio, carregado de história e d ememórias: Vasco da Gama, natural de Sines, habitou aquele espaço expositivo, e nesse sentido são inevitáveis as múltiplas referências aos Descobrimentos Portugueses presentes nesta obra.

            Segundo esta orientação associativa que procura a integração no espaço, o tema e o objecto desta instalação de Pedro valdez Cardoso têm em atenção a contextualização histórica. Ele procurou integarar esses conhecimentos no seu trabalho, ainda que o seu propósito não seja estabelecer um exercício de reconstituição ou ensaiar uma intervenção de valor ilustrativo ao nível das associações históricas estabelecidas.

            Sob o título “Livro de Actos“, Valdez Cardoso apresenta uma instalação formada por um conjunto de peças escultóricas construídas em forma de estandartes, que expõem combinações ecléticas de objectos de diversa natureza: uma pá, um balde, remos, ossos, velas, latas d ecerveja, caveiras, esfregonas, pás, armas, baús, tesouros...

            Os estandartes – sempre destinados a simbolizar a identidade, a autoridade, a honra, a importância, o valor das estruturas colectivas e sociais, funcionam aqui como representações de poder e domínio; e é por intermédio d euma combinação de objectos, desde o mais vulgar ou inusitado, que se revelam igualmente sinais de riqueza e de acumulação, e a evocação das trocas comerciais, das relações de força, de supremacia e do poder militar que desenharam o mundo dos séculos XV e XVI – nada de novo, portanto. Mas por outro lado, para além de oferecer configurações estranhas e inesperadas de objectos que desconcertam o espectador, esta apresentação coloca-nos simultaneamente perante um jogo estabelecido entre a diversidade da natureza dos objectos e um efeito de padronização que decorre de uma operação de revestimento da sua superfície.

            Como é característico das peças de Pedro Valdez Cardoso, neste trabalho nota-se a insistência nesse processo d erevestimento dos objectos, com o emprego de um mesmo material. Neste caso, fazendo uso de folha de alumínio e fita de prata isolante, ele obtém um sentido de unidade que, sem prejudicar a definição e o reconhecimento das formas de cada objecto utilizado, cria um efeito de distanciamento, de dissimulação, que produz a abstractização da sua aparência, de tal maneira que outros factores ganham importância. Por exemplo, o carácter simbólico dessa cobertura, a produção de associações metafóricas e a importância do valor da imagem, mais as qualidades reflectoras detes materiais, potenciam que ro sentido bélico da sua aparência quer os sinais de riqueza ornamental que produzem.

            Mas sobretudo, por meio deste procedimento e através da homogeneidade de superfície , da uniformização do conjunto, Valdez sublinha a ideia que lhe intressa explorar: os mecanismos de uniformização, os processos de padronização, as coordenadas normalizadoras que, em qualquer época, evidencia a construção cultural, conforme a ideologia dominante.

            Nesse sentido este é um trabalho definidor da obra deste artista, e que surge como um prolongamento, desenvolvimento e análise de uma questão já aflorada em obras como “Areias Movediças“, “I didn’t choose never to forget“, “Embuste“, “Le Monde Diplomatique“, ou “Mise-en-Scène“. Da imagem que nos apresenta, e para além da reutilização de vários itens, que formam um fio condutor na sua variada produção, destaca-se ainda o investimento numa forte componente cenográfica: acréscimo de sublinhado para uma percepção da vida dos objectos, que nos lembra o seu duplo poder de signo e testemunho da passagem do tempo e da História...

Sandra Vieira Jürgens

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