VIAGEM AO CORAÇÃO DAS TREVAS de Nuno Faria

OS RECURSOS DO MÉTODO DE PEDRO VALDEZ CARDOSO de João Pinharanda

AD GLORIAM EPHEMERAM de João Pinharanda

SIGHTSEEING de Bruno Leitão


À LA CARTE de Bruno Leitão


OBJECTOS QUEER de José António Fernandes Dias

ENTREVISTA (CROSS-CULTURAL) de Lúcia Marques

QUARTO SEM VISTA de João Miguel Fernandes Jorge


O PESO DA HISTÓRIA@MNSR de Fátima Lambert


UMA CONVERSA CRUA de Hugo Dinis


MUNDOS INQUIETANTES de Xosé M. Buxán Bran


THE ORDER OF TODAY IS
THE DISORDER OF TOMORROW de Luísa Soares de Oliveira


CRUDE de Filipa Oliveira


MEMÓRIAS DOS ACTOS de Sandra Vieira Jürgens

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À LA CARTE

           Kitsch is mechanical and operates by formulas. Kitsch is vicarious experience and faked sensations. Kitsch changes according to style, but remains always the same. Kitsch is the epitome of all that is spurious in the life of our times. Kitsch pretends to demand nothing of its customers except their money -- not even their time.

           In a stable society that functions well enough to hold in solution the contradictions between its classes, the cultural dichotomy becomes somewhat blurred. The axioms of the few are shared by the many; the latter believe superstitiously what the former believe soberly. And at such moments in history the masses are able to feel wonder and admiration for the culture, on no matter how high a plane, of its masters. This applies at least to plastic culture, which is accessible to all.

Avant-Garde and Kitsch, Clement Greenberg


           Pedro Valdez Cardoso tem trabalhado temas relacionados com a cultura e diferença, pertença e objetificação de sentimentos e ideologias. Fá-lo a partir de cenografias de enorme plasticidade e minúcia aludindo á manualidade que é cada vez menos um detalhe na nossa vivência quotidiana. Por essa razão refere-se sempre retrospectivamente aos modos como as sociedades asseguram as suas próprias identidades, culturas, perduração e posteriormente noções como alteridade, aculturação e esquemas de representação importados para satisfação de gostos cosmopolitas.

           Cria e inventa brasões, estandartes, máscaras, tapeçarias, etc.. que embora impossíveis contêm em si elementos conceptualmente possíveis em vários momentos da história e em contextos especializados como as artes decorativas.
De citações ao Modernismo e a sua transposição de formas não ocidentais em alta Cultura ocidental: as máscaras africanas que informam muitos trabalhos de pintores como Picasso ou o japonismo que alterou o trabalho de inúmeros artistas na então capital mundial (e Ocidental) das Artes Visuais.

           Mas não se fica apenas no domínio da Cultura erudita e aborda a influência das “culturas populares” promovendo choques insólitos sobre contaminações bem reais.

           Pedro Valdez Cardoso cria novas combinações no eterno processo civilizacional de (in)tolerância e assimilação de minorias e culturas ou estilos dados como perdidos. Desta feita o kitsch e o Avant-Garde tocam-se como se o último tivesse sempre a última palavra a dizer depois de assimiladas as virtudes e desvirtudes do primeiro... Qual deles prevalece nesta fusão?!

           Uma explicação breve para kitsch pode ser a tentativa de veicular o todo através de uma das partes, nesse aspecto, a “planura” dos seus trabalhos fazem como que uma citação a este acontecimento.

           Os trabalhos que agora apresenta surgem no contexto do pensamento que o artista tem desenvolvido mas surgiram no contexto especifico da Brasserie do Tivoli, pensando o que é este restaurante é na sua origem. O bem-estar associado a um local de restauração que é mais do que simplesmente isso na cultura Francesa do detalhe.

           Pedro Valdez Cardoso utiliza o espaço da Brasserie a seu favor e cria e insere no seu espaço elementos que aludem às dificuldades inerentes ao ato de recriar um tipo de restauração inerentemente ligado a outra cultura e identidade nacional (Francesa neste caso) combinando-os com elementos de tradição culinária portuguesa.

            Os brasões ou pseudo-brasões (os que não respeitam as regras da heráldica) feitos de frigideiras relembram uma cultura europeia fortemente codificada e assente nas tradições que perpetua até perderem o seu sentido original. Mas o lado mais insólito dos mesmos confere-lhes um carácter lúdico e de crítica social ao gosto da caricatura social e política.

           Uma Brasserie teria habitualmente um menu simples e de qualidade aliado a um serviço também de qualidade, no entanto, este tipo de restauração quando fora do seu país de origem transforma-se num local onde as expectativas se elevam ao nível de requinte que associamos à tradição da cozinha francesa, com atenção ao detalhe e ingredientes frescos e de primeira qualidade, quando na originalmente não seria necessariamente assim. Esta é a falácia da importação de costumes combinado com o inalienável exotismo e estranheza de uma cultura que ainda que ocidental acaba inevitavelmente por nos ser estranha. E é aqui que o trabalho de Pedro Valdez Cardoso se insere. Aproveita o espaço que existe entre uma cultura, a sua interpretação e reinterpretação. Neste caso não é evidente a crítica mas sim um constatar lúdico da paixão pela imersão no todo apenas e somente através de uma das suas partes, a experiência do exótico pelo simples saborear de um prato.

           É lúdica a força que transparece das suas peças mas à beleza estética das suas composições, irrompe um sentido de questionamento em relação aos modos de apropriação ocidentalizada e um cosmopolitismo aliado a uma dose de humor necessário ao saudável crescimento de uma sociedade.

Bruno Leitão
Abril de 2012

 

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