VIAGEM AO CORAÇÃO DAS TREVAS de Nuno Faria

OS RECURSOS DO MÉTODO DE PEDRO VALDEZ CARDOSO de João Pinharanda

AD GLORIAM EPHEMERAM de João Pinharanda


SIGHTSEEING de Bruno Leitão


À LA CARTE de Bruno Leitão


OBJECTOS QUEER de José António Fernandes Dias

ENTREVISTA (CROSS-CULTURAL) de Lúcia Marques

QUARTO SEM VISTA de João Miguel Fernandes Jorge


O PESO DA HISTÓRIA@MNSR de Fátima Lambert


UMA CONVERSA CRUA de Hugo Dinis


MUNDOS INQUIETANTES de Xosé M. Buxán Bran


THE ORDER OF TODAY IS
THE DISORDER OF TOMORROW de Luísa Soares de Oliveira


CRUDE de Filipa Oliveira


MEMÓRIAS DOS ACTOS de Sandra Vieira Jürgens

_________________________________________________________________________________________________________________________________


AD GLORIAM EPHEMERAM


           Pedro Valdez Cardoso estabelece uma relação sistemática e surpreendente quer com a História da Arte (e da escultura, em particular) quer com a História política e das ideologias. É uma relação sistemática em termos temáticos, embora cada peça ou cada série ou o conjunto de todas as peças e séries, permitam uma vasta simultaneidade de caminhos e significados (que vão da política ao género e das questões da representação à ficcionação narrativa). E é uma relação surpreendente em termos formais quer pela construção das peças a partir da agregação de elementos individualizados (e não por acumulação de séries repetitivas de elementos simples), quer pela criação dos coloridos de superfície através revestimentos de camuflagem ou, finalmente, pelo modo como joga com a seriedade tradicional dos valores simbólicos e até comerciais da arte ao utilizar tecidos, plásticos e enchimentos moles que realiza seguindo tecnologias que aproximam as peças mais decisivamente da confecção que da modelagem ou sequer da colagem.

           Valdez Cardoso faz descoincidir cor e forma segundo uma provocatória estratégica de decoração. Não podemos falar de ready-made porque as suas peças não são “reais”, antes copiam formas de objectos reais que, associados segundo soluções inesperadas ou contraditórias mimam o tipo de soluções usadas nos objets-trouvés surrealistas roubando-lhe o sentido original mas acrescentando-lhe outros. O artista nega a prospectiva positiva e a elegância depuradora do modernismo, monta sucessivos remakes surrealizantes e integra elementos kitsch no domínio crítico da estética Camp (tal como o definiu Susan Sontag em 1964) com elementos que recordam peças soltas num plateau cinematográfico ou numa cenografia teatral – são restos possíveis de um espectáculo de pretensão histórica e vocação ecléctica, testemunhos da delirante expressão barroca da estética do music-hall novecentista queexigia do público uma adesão emotiva e total, capaz de desculpar a inverosimilhança das cores, das formas, das associações temáticas, dos materiais... ou das coreografias do corpo de baile.

           No conjunto de peças aqui apresentado o artista confronta-nos com a ilusão de perenidade que a ideia de Monumento durante séculos se esforçou por consolidar e transmitir. Combatendo o esquecimento e a Morte, a desagregação e a ruína os múltiplos actores dos múltiplos Poderes públicos sinalizam o seu corpo físico e ideológico desejando perpetuá-lo no Tempo. Tatuagens e fardamentos, cores, bandeiras e estandartes, armas, brasões e troféus, estátuas, estelas funerárias e mausoléus, relíquias dos heróis ou dos saques são elementos que integram todos os discursos de perpetuação do Poder nos tempos, nos lugares, nas consciências individuais e das comunidades, desejando integrar e absorver o Diverso para o tornar Uno. Ora, Valdez Cardoso, centrando o discurso orientador destes trabalhos na multiplicidade de entendimentos das chamadas artes primitivas ou “primeiras”, explorando as suas relações (também altamente variáveis) com a situação política colonial/pós-colonial e com a situação artística moderna/pós-moderna (ver José António Fernandes Dias “Objectos queer”, in Pedro Valdez Cardoso: Cross-Cultural, 2011) , põe em causa tal ilusão de perenidade mostrando como todo o desejo de rigidez amolece, como todo o desejo de fusão se desagrega como todo o projecto de eternidade acaba em ruína.

            O exemplo das esculturas moles de Claes Oldenburg, mas também todo o conjunto das provocações dadaístas que as precedem e das provocações neo-dadaístas que a cada momento ressurgem na história da arte ocidental, servem, na obra do artista, para acentuar valores de efemeridade não apenas da existência material da obra de arte mas também do seu valor erconómico e, principalmente, do seu significado. As espadas são de brincar, os troféus de guerra e caça são forrados de tecidos decorativos, os tesouros são de plástico, os brasões desenham-se em superfícies picadas e rasgadas, a fragilidade toma conta do conjunto das peças. Embora dirigidas para um discurso crítico pós-colonial estas obras são versões contemporâneas de Vanitas clássicas, onde toda a Glória humana é proclamada efémera. Através delas, Pedro Valdez Cardoso confronta-nos também com a nossa fragilidade individual, com a instabilidade dos nossos valores e códigos comportamentais, com a inevitabilidade de um Fim que nunca poderemos controlar, com a inútil exibição da Vaidade.

João Pinharanda
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2013

_________________________________________________________________________________________________________________________________